Segunda-feira, 02 de Março de 2009

 

SÍMBOLOS
 
Luar
 
-          Para D. Miguel, o luar permitirá que o clarão da fogueira atemorize todos os que querem lutar pela liberdade, confirmando assim o efeito dissuasor e exemplar das execuções perante aqueles que ousassem desafiar a autoridade dos Governadores (a noite é mais assustadora, as chamas poderiam ser vistas em toda a cidade, o luar convidaria toda a gente a assistir ao castigo).
 
-          Para Matilde, o luar sublinhará a intensidade do fogo, que simboliza a coragem e a força de um homem que morreu pela liberdade e, por isso, se torna símbolo do esclarecimento e da revolta contra a tirania (anúncio da revolução liberal / 25 de Abril?).
 
-          A lua, porque privada de luz própria e sujeita a fases, representa a periodicidade e a renovação, a transformação. Ela é também o símbolo da passagem da morte para a vida (durante três noites em cada ciclo lunar desaparece, para voltar a surgir).
 
Fogo
 
-          A fogueira acaba por ter um carácter redentor, simbolizando a purificação, a morte da «velha ordem», a vida e o conhecimento. O fogo traduz a chama que se mantém viva e a fé na liberdade que há-se chegar («Julguei que isto era o fim e afinal é o princípio. Aquela fogueira, António, há-de incendiar esta terra!», 140).
 
-          Na perspectiva dos Governadores, o fogo traduz a destruição, o castigo de todas as tentativas de rebelião do povo em prol da liberdade.
 
Luz / noite
 
-          A luz traduz a caminhada da sociedade em direcção à liberdade, vencendo o medo e a insegurança da noite, recusando a violência e a repressão.
 
-          A luz é a metáfora do conhecimento que permite o progresso da sociedade e a construção do futuro, assente na defesa dos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
 
-          A noite (escuridão, trevas) representa a morte, a repressão, a violência, o castigo, o obscurantismo, a conspiração.
 
-          A noite simboliza ainda o poder maldito e as injustiças dos governadores («Como é que se pode lutar contra a noite?» 116).
 
Saia verde
 
-          Símbolo de esperança na renovação, da superação da violência e da repressão, da defesa da liberdade (fora comprada em Paris, foco dos ideais revolucionários liberais).
 
-          Traduz o amor verdadeiro e redentor, capaz de conduzir a personagem a superar o seu estado de revolta e a comunicar aos outros, apáticos e indiferentes, o futuro, a esperança.
 
-          Sugere a tranquilidade e a felicidade do reencontro, embora numa outra dimensão, ou num futuro diferente.
 
-          Pela cor, simboliza ainda a fertilidade, a vida e a renovação da Natureza, que conduzem à noção de imortalidade (a mensagem de liberdade do general poderá, afinal, tornar-se válida nos séculos vindouros).
 
Moeda
 
-          Simboliza a miséria, a pobreza de um povo que mendiga pela sobrevivência, pela dignidade, pelo direito à vida e à liberdade.
 
-          Traduz a traição, a corrupção, a submissão dos poderosos a interesses mesquinhos e materiais (Matilde, quando a atira ao Principal Sousa, lembra a bíblica traição de Judas).
 
Tambores
 
-          Símbolos da repressão militar e policial que desagrega e aniquila, traduzem a morte, a violência e a intimidante perseguição a que o povo era sujeito para não pôr em causa a autoridade tirânica dos governadores, «sempre presente e sempre pronta a intervir».
 
-          Traduzem também a hipocrisia e a corrupção de todos os que traem para obter favores do regime, como Vicente, «um provocador em vias de promoção» (21).
Sinos
 
-          Traduzem o perverso envolvimento da Igreja nos assuntos do Estado, contribuindo para a repressão imposta sobre o povo (anunciam a morte de Gomes Freire).
 
-          Contribuem para a denúncia da deturpação da mensagem evangélica ao serviço de interesses mesquinhos e materiais.
 
 
 
 
 
Cadeiras
 
-          Descritas como «pesadas e ricas com aparência de tronos», simbolizam a opulência, o poder tirânico e absolutista dos governadores e a violência e caducidade do sistema monárquico. 
 
Outros textos
 
-          A referência feita pelo Principal Sousa ao Eclesiastes foi intencionalmente deturpada para justificar a validade do poder real como resultado da vontade divina, anulando assim a vontade popular nas decisões do Estado (36).
 
-          A deturpação intencional do texto bíblico põe em destaque o poder manipulatório de Igreja, distante da pureza original.
 
-          Há referências à parábola dos trinta dinheiros, numa alusão à traição de Judas, equiparado a Vicente e a todos os delatores, e ainda à que remete para o servo que tenciona servir a dois senhores, numa clara denúncia da hipocrisia da Igreja e, por extensão, do Principal Sousa.
 
 
LINGUAGEM
 
Oralidade / ironia crítica
 
-          A linguagem da obra é natural, viva, próxima do discurso oral (interrogações, exclamações, vocabulário familiar e popular, orações coordenadas, construção sintáctica simples, redundâncias e pleonasmos...) e tradutora das emoções das personagens (hesitação, interrupção...), mas surge também dominada pela ironia e pelo sarcasmo.
 
Conflito poder / antipoder
 
-          A linguagem traduz assim o conflito entre o poder e o antipoder:
 
·         A linguagem dos representantes do poder evidencia um sentido prático, utilitário e material da vida. As falas são mais longas, excessivamente discursivas.
 
·         A voz do contrapoder (Matilde, povo) ganha frequentemente um sentido poético, expondo a afectividade e os dramas interiores das personagens. A ironia, porém, funciona como denúncia crítica da hipocrisia e da violência dos que representam o poder.
 
·         O discurso do autor/encenador é essencialmente valorativo, uma vez que convida o espectador a assumir uma atitude crítica em relação aos factos apresentados.
Nível lexical
 
-          O léxico remetendo para o domínio político: reino, nobreza, povo, pátria, patriotas, política, conspirações, revolta.
-          O léxico de carácter religioso: rebanho, ovelhas, salvador, Senhor, Cristo, Deus, Dia do Juízo, almas, condenação, divina.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESTILO
 
-          A confirmar a intencionalidade crítica da obra, é de salientar a importância do discurso das personagens, que assume variadas funcionalidades:
 
·         O estilo «salazarista» utilizado por D. Miguel, cuja tónica essencial é a defesa da Pátria e dos ideais patrióticos. O tom didáctico empregue pela personagem confirma a demagogia política das suas intervenções (49,59).
 
·         A retórica jesuítica usada pelo Principal Sousa deixa escapar o abuso da Igreja, ao reivindicar como vontade divina aquilo que não passava de interesses de ordem política (37, 40, 59).
 
·         A ironia que marca o discurso mordaz de Beresford deixa perceber a diferença cultural entre Portugal e Inglaterra (56, 57).
 
·         O discurso dos populares é desolador e resignado, embora seja também irónico e acusador (16, 78, 106).
 
·         O tom de lamento usado por Matilde, perante a perda do seu «homem» e do seu amor (90), dá lugar à contestação, à acusação mordaz (128-129) e à profecia de um futuro regenerador (140).
 
·         O uso do latim, que ocorre no momento da sentença e da execução, funciona como denúncia de uma sociedade arcaica e regida por valores caducos e estritamente vinculados a uma hierarquia social (98, 134).


publicado por Isabel Marques às 15:53
Segunda-feira, 02 de Março de 2009

 

ESPAÇO
 
Espaço cénico
 
-          O espaço cénico contribui para a construção de sentidos da obra, expondo a dimensão ideológica da mesma. Os sons, os jogos de luz/sombra, os objectos decorativos e a posição das personagens em palco são os elementos a destacar.
 
-          Manuel, situado num espaço cénico dominado pela escuridão, é subitamente exposto à luz, ocupando um lugar à frente do palco. O carácter simbólico da sua presença é posto em evidência através dos seguintes aspectos:
 
·         Manuel, enquanto símbolo do povo oprimido, traduz a estagnação de um país, a impossibilidade de mudança, pela repressão imposta pelo Poder, através da sua pergunta absurda, do gesto de impotência e dos trajes andrajosos que veste;
 
·         A escuridão que rodeia a personagem sugere o abismo que a engole, enquanto representação da miséria, da ignorância e da opressão;
 
·         A nível da movimentação, a impossibilidade de continuar, por parte da personagem («detém-se»), indicia a perda irremediável do general Gomes Freire e, em consequência, a perda da esperança.
 
Espaço físico
 
-          Lisboa surge como um macroespaço, onde se inscrevem espaços de dimensão mais reduzida:
 
·         Ruas – local onde os populares mendigam e comentam os acontecimentos, embora sempre intimidados pela presença da polícia
·         Rossio – sede da Regência
·         Rato – casa do general
·         Sé – local onde Manuel costuma pedir esmola
·         Campo de Sant’Ana – local das execuções (posteriormente será designado por Campo dos Mártires da Pátria)
·         Serra de Santo António – local de onde Matilde assiste à execução do marido
·         S. Julião da Barra – local onde Gomes Freire é preso e sentenciado
 
 
 
 
 
 
 
Espaço social
 
Classes sociais: Povo / Poderosos
 
-          O povo é caracterizado pela sua pobreza, doença e miséria: o vestuário andrajoso, os sacos e caixotes que servem de acomodações, o contínuo mendigar.
 
-          Os poderosos, pelo contrário, surgem representados na sua riqueza ostensiva e arrogante (guarda-roupa cuidado, cadeiras como «tronos»).
 
Conflitos políticos / sociais
 
-          No período posterior às Invasões Francesas e à partida da corte para o Brasil, o reino vive uma conjuntura política e social marcada pela crise e pela luta entre um poder repressivo e a aspiração da liberdade que conduzirá à revolução liberal:
 
·         O Conselho de Regência, que integrava oficiais ingleses e membros do clero, mantém uma política de tirania, repressão e perseguição de todos os que se insurgissem contra o poder oficial.
 
·         A atitude persecutória dos governadores é particularmente evidente na condenação e proibição das sociedades maçónicas e qualquer tipo de associação.
 
·         O povo, descontente, votado à miséria e ao silêncio, mas desejoso de liberdade, confere ao general Gomes Freire o estatuto de herói, já que representa a única esperança de revolta contra a opressão.
 
Valores sociais em crise
 
-          A impotência do povo contra o despotismo
 
·        Manuel, o homem do povo, reflecte a sua incapacidade para resistir ao sistema, através da interrogação que abre os dois actos («Que posso eu fazer?», 15).
 
-          A recusa do progresso e da cultura
 
·        O Principal Sousa clarifica as directrizes de um regime absolutista, em que cultura é sinónimo de poder e, por isso, deve ser mantida inacessível às massas populares («...a sabedoria é tão perigosa como a ignorância! (...) Sei bem como a palavra “liberdade”, na boca dos demagogos, se torna aliciante ...» 36; «Por essas aldeias fora é cada vez maior o número dos que só pensam aprender a ler... Dizem-me que se fala abertamente em guilhotinas e que o povo canta pelas ruas canções subversivas.» 40).
 
-          A corrupção, a imoralidade e a injustiça dos políticos
 
·        D. Miguel põe em destaque a corrupção que garante a autoridade do Poder («A questão que temos de resolver (...) Consiste apenas em chegarmos a acordo acerca da pessoa que mais nos convém que tenha sido o chefe a conjura.» 61), deixando também evidente que são os caprichos pessoais que motivam a actuação política, ao serviço de interesses que se sobrepõem à verdade e à justiça («Para o público não compreender o que se passa, o julgamento será secreto, e para evitar o perdão de el-rei, a execução seguir-se-á imediatamente à sentença.» 65).
 
-          A ambição mesquinha e a conspiração
 
·        Beresford mantém-se atento à defesa dos interesses do reino («Neste país de intrigas e de traições, só se entendem uns com os outros para destruir um inimigo comum...» 63), mas apenas por interesses materiais, não escondendo o seu desprezo pelo país onde trabalha, já que «reduz os presentes, a cidade e o país a uma insignificância provinciana e total» («Pretendo uma única coisa de vós: que me pagueis – e bem!» 58)
 
-          A traição, a conspiração generalizada
 
·        A corrupção material e moral parece atingir todas as classes sociais, como se depreende da traição de Vicente e de Andrade Corvo e Morais Sarmento («Se eu souber render o peixe, sou capaz de acabar com uma capela... ou chefe de polícia, quem sabe?» 31; «Meu amigo: você desconhece o que se compra de respeitabilidade com uma pensão anual de 800$00...» 47).
 
-          A condenação dos ideais maçónicos
 
·        O ataque à Maçonaria, que para os governadores era sinal de agitação e revolução, surge identificado na intervenção de D. Miguel («...aí tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado...» 71) e do Principal Sousa («Os piores, Srs. Governantes, são os pedreiros-livres... Ninguém mais do que eles contribui para o alastramento da gangrena. Quem será o chefe da Maçonaria?» 67).
 
-          Os caprichos pessoais dos poderosos contra a vontade do povo
 
·        Os interesses de Estado não são os interesses do povo, mas das classes privilegiadas («Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado a escolher os seus chefes?» 69), movidas pelas vinganças pessoais e pela ambição («Se eu fosse a falar do ódio que lhe tenho...»; «Agora me lembro de que há anos, em campo d’ Ourique, Gomes Freire prejudicou muito a meu irmão Rodrigo!» 72).
 
·        Matilde, a voz da indignação e do inconformismo, expõe de forma clara a podridão de uma sociedade corrupta e mesquinha («Ensina-se-lhes que sejam valentes, para um dia virem a ser julgados por covardes...»; «Não seria mais humano, mais honesto, ensiná-los, de pequeninos, a viverem em paz com a hipocrisia do mundo?» 83;«...rodeada de inimigos numa terra hostil a tudo o que é grande, numa onde só cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos...» 85).
 
Espaço psicológico
 
-          As recordações de Matilde de uma felicidade passada ao lado de Gomes Freire remetem para o carácter redentor e purificador do amor, em contraste com a violência e a hipocrisia da sociedade (90-92).
 
 
TEMPO
 
Tempo histórico
 
-          Século XIX – período posterior às Invasões Francesas, que antecede as primeiras manifestações de revolta popular, que conduzirá à Revolução Liberal.
 
-          Século XX – regime ditatorial do Estado Novo, representado por Oliveira Salazar.
 
Tempo dramático
 
-          0s acontecimentos dramáticos remetem para a referência a factos ocorridos alguns anos antes:
 
·         Manuel relembra as Invasões Francesas e a presença dos ingleses no governo (16)
·         Vicente recorda a partida do rei para o Brasil (27)
·         O antigo Soldado refere as batalhas ocorridas há dez anos (18)
·         Matilde recorda a sua vida com o general e as batalhas em que participou pela Europa (90)
 
-          As referências temporais situam em dois dias os acontecimentos mais dramáticos da obra, embora historicamente tudo se tenha passado em cinco meses (Maio/Outubro). A redução temporal traduz simbolicamente a parcialidade da justiça da época, que condena sem provas, e contribui para a intensidade trágica da morte do general.
 
-          O Acto I tem início de madrugada e prolonga-se por dois dias:
 
·         «Eram quase cinco horas...» (17)
·         «Há dois dias...» (50)
·         «Há dois dias que quase não durmo...» (68)
 
-          O Acto II começa na manhã do dia em que prenderam Gomes Freire e prolonga-se por seis dias:
 
·         «Passaram toda a noite a prender gente...» (80)
·         «Vem aí a madrugada...» (108)
·         «Ah! Senhora, se o general estivesse esta noite aqui... » (108)
·         «Amanhã, quando começarem a agradecer a Deus a prisão do general...» (109)
·         «Depois de amanhã, senhora...» (109)
·         «Esta madrugada prenderam Gomes Freire...» (79)
·         «Desde aquela noite que só penso em si.» (104)
·         «Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer...» (111)
·         «Há quatro dias que me não deito...» (130)
·         «...hoje, 18 de Outubro de 1817.» (129)
 

No Acto I, os acontecimentos precipitam-se até à prisão do general, embora no Acto II o tempo flua lentamente, o que intensifica o dramático sofrimento de Matilde, que



publicado por Isabel Marques às 15:51
Segunda-feira, 02 de Março de 2009

 

FELIZMENTE HÁ LUAR!
As personagens dramáticas
 
 
OS REVOLUCIONÁRIOS
 
GOMES FREIRE DE ANDRADE
 
·         É um homem instruído, letrado, um «estrangeirado», símbolo da integridade de carácter, da recusa da tirania em defesa dos ideais de justiça e liberdade (137). É também o símbolo da modernidade e do progresso, já que adepto das novas ideias liberais.
 
·         A sua mitificação pelo povo, que vê nele a personificação do esclarecimento, do inconformismo corajoso e da esperança na luta contra a repressão e o terror (20,24, 34), vai torná-lo num homem incómodo, subversivo e perigoso para o poder instituído.
 
·         É assumido como uma ameaça à autoridade dos governadores, gerando ódios e desejos mesquinhos de vingança (21-22,71), seja pela sua lúcida integridade moral, seja pela sua argúcia excepcional de militar, ou até mesmo pela admiração incontestável que lhe dedica o povo.
 
·         Inteligente, lúcido, capaz de ver para além da hipocrisia dos poderosos (95), mas humilde e discreto, já que nunca se serviu do seu estatuto para influenciar o povo (87).
 
·         A prova da sua inocência está na imagem que dele dá Matilde: uma conduta moral irrepreensível (83), uma coragem inabalável que o faz lutar até à morte (132), o seu sacrifício injusto, como o de Cristo (122, 130).
 
MATILDE
 
·         Amante, esposa e «companheira de todas as horas» do general, exprime romanticamente o amor (85, 132) que a faz acreditar no sentido da sua vida (92) e a ajuda a manter a esperança de o marido conseguir vencer a vilania da morte a que foi sujeito.
 
·         É o símbolo da sensibilidade feminina, que se revela no desespero da perda (97, 116, 130), no sofrimento de quem ama e se vê despojado do ser que o completa (120). O seu grito alucinado de desespero representa a necessidade de reaver o homem que o destino tornou seu (94).
 
·         Reage violentamente perante o ódio e as injustiças, desmascarando o interesse mesquinho, a hipocrisia, a traição, a manipulação perversa do poder (93, 94, 95). Revela uma inteligência subtil e uma grande capacidade de argumentação, capaz de desarmar os falsos valores dos governantes (124-126).
 
·         Corajosa, assume-se como a voz da consciência dos governantes (88), obrigando-os a enfrentar os seus actos de cobardia (118, 128-129). O seu discurso final é uma resposta provocatória à violência da sociedade e um anúncio de esperança numa nova era (136-137).
·         Profundamente humana (101), luta sempre pelos ideais que aprendeu a defender junto do marido, sejam eles o da sinceridade, o da caridade, ou o da revolta e da indignação perante a prepotência dos poderosos (90-92), destacando-se pela sua excepcionalidade num mundo de ganância e hipocrisia (85).
 
ANTÓNIO DE SOUSA FALCÃO
 
·         Símbolo da impotência perante o despotismo dos governadores (86).
 
·         A sua lealdade a Gomes Freire e Matilde é revelada na profunda admiração (89), no apoio incondicional que lhes dedica (115), acompanhando a esposa do general na angustiosa tentativa de o libertar (116-117), não poupando elogios à conduta do homem corajoso com quem partilhara sonhos e ideais (110, 136-137).
 
·         O seu sentido crítico fá-lo duvidar da justiça dos governantes e revoltar-se contra a indignidade do tratamento dado ao general durante a sua prisão (111-112).
 
·         Perante o exemplo de coragem do general, chega a reconhecer a sua cobardia e a inutilidade da sua luta (136-137), embora não se contenha e chegue mesmo a pôr em risco a sua vida ao insultar D. Miguel (119).
 
·         O destino do amigo fá-lo encontrar-se consigo próprio, a «rever-se por dentro», o que altera a sua concepção do mundo e das coisas (89, 137).
 
 
OS GOVERNADORES
 
 
·         Os três elementos que compõem o Conselho de Regência representam o poder político e todas as suas manipulações para manter uma autoridade continuamente ameaçada, porque ilegítima. São eles os chefes da conspiração, pois escolhem alguém que «valha a pena crucificar», mesmo sem provas concretas. Embora se aproximem no carácter vil e mesquinho, cada um deles simboliza diferentes interesses e invoca diferentes razões para a morte de Gomes Freire (42).
 
D. MIGUEL
 
·         É o protótipo do pequeno tirano, inseguro e arrogante, simbolizando a decadência do país que governa, minado pela hipocrisia e pela mesquinhez. O seu espírito decrépito e caduco impedem o progresso, já que acredita fanaticamente na manutenção de um governo absolutista e numa sociedade perfeitamente estratificada (69).
 
·         De carácter megalómano e prepotente, revela o seu calculismo político, a sua ambição desmedida e um egoísmo arrogante, no exercício do poder (60-61, 65-66).
 
·         Desprovido de integridade moral e corrupto, personifica a injustiça, a traição, aliada à vingança (43), pois vê na popular figura do primo uma ameaça ao seu prestígio e poder, condenando-o sem escrúpulos (70-71).
 
·         Frio, desumano, é a «personificação da mediocridade consciente e rancorosa» (71-72, 116-117). A sua crueldade revela-se perante a execução de Gomes Freire, que será exemplo para os que ousem desafiá-lo (131).
 
PRINCIPAL SOUSA
 
·         Representa o poder eclesiástico dogmático, fanático, persecutório e repressivo (69), que se deixa corromper, aliando-se perversamente aos interesses políticos (36-37, 64-65).
 
·         De carácter mesquinho e vingativo, diz odiar os franceses, os principais responsáveis pelo clima de revolta que agita o reino (39-40), e justifica a condenação de Gomes Freire por um desagravo cometido sobre um familiar (68, 72), embora tente dissimulá-la sob a forma de um acto de defesa do reino, apenas para manter a sua consciência tranquila (40, 67, 74).
 
·         A sua cobardia impede-o de manter uma discussão séria com Beresford, embora não esconda a sua animosidade pelo inglês (41, 59).
 
·         Hipócrita, o seu discurso religioso é continuamente deturpado em função dos seus interesses (36), e recorre a um tom falsamente paternalista e compreensivo (38,121), embora a sua falsidade e infâmia sejam desmascaradas por Matilde (122-123).
 
 
BERESFORD
 
·         Representa o poder calculista e o interesse material, que fazem dele um mercenário astuto e arrogante (58, 59).
 
·         De carácter trocista e mordaz, não esconde o seu desprezo pelo país onde é obrigado a viver, não desperdiçando qualquer oportunidade para ridicularizar a sua pequenez e provincianismo (55-57) e até para provocar o principal Sousa de forma irónica, porque representante de um catolicismo caduco (41, 54).
 
·         Reconhecendo ser alvo do desprezo do povo, procura a todo o custo salvaguardar o seu posto de militar, participando activamente no processo de condenação do homem que poria em risco a sua carreira, o seu prestígio e os seus privilégios (63-64). Embora sorria da corrupção generalizada que domina o país, serve-se da denúncia para manter o seu estatuto (44, 68-69).
 
·         O seu cinismo e a sua arrogante crueldade revelam-se na humilhação a que sujeita Matilde, quando esta lhe pede a vida do marido (93-94, 99).
 
 
OS DELATORES
 
VICENTE
 
·         Símbolo da falsidade, da ambição e do oportunismo (103), defende o valor do dinheiro e do poder como forma de ascender socialmente (25), ainda que o faça pela traição e pela denúncia (30-32). Hipócrita, tenta dissimular a indignidade dos seus actos através do serviço a el-rei e à Pátria (39).
 
·         Servil e materialista, procura, através da astúcia e da adulação, conquistar a simpatia dos governadores, mesmo que tenha de trair os da sua classe (34, 38).
 
·         A imoralidade e mesquinhez do seu carácter insinuam-se no seu discurso demagógico e provocador, que revela a sua revolta e desprezo por uma classe na qual se recusa a inserir (26-27). É um homem frustrado por ter nascido pobre e movido pela inveja e pelo ressentimento.
 
·         Reveste-se de um falso humanismo e de uma solidariedade duvidosa para fomentar a ira popular contra Gomes Freire (21-22). 
 
ANDRADE CORVO / MORAIS SARMENTO
 
·         Tal como Vicente, representam o grupo dos delatores, que colaboram com o regime visando o lucro pessoal (44, 47). A falta de escrúpulos e de valores éticos (43), a ganância e a preguiça, justificam a denúncia do general e a traição aos valores que defendem, nomeadamente os ideais maçónicos e o seu pretenso patriotismo (46, 48-50).
 
·         O seu carácter cobarde enuncia-se no modo como se apresentam perante os governadores, «embuçados», e a adulação é também a forma usada para cair nas graças dos poderosos (64).
 
 
O POVO
 
MANUEL
 
·         «O mais consciente dos populares» é também a voz da denúncia crítica continuamente silenciada (16), da ironia abafada pela repressão contínua das forças policiais (77).
 
·         Representa metaforicamente o povo português condenado a uma existência ignóbil, coexistindo com a miséria, a fome, a opressão, desanimado e impotente para alterar o seu destino (16, 78, 105-106).
 
·         O conformismo é a alternativa possível perante um governo decadente e fútil, que garante a sua autoridade através do medo e da violência (105-109). O cansaço de sobreviver num mundo onde a vida é um vazio é alternado com a profunda consciência das desigualdades sociais e um tocante respeito pela dor alheia (108-109).
 
RITA
 
·         A solidariedade para com Matilde é marcante (104), pois como mulher compreende a perda irremediável do amor e da família (82-83). É com comoção que a beija, depois de lhe entregar a moeda, símbolo da sua cumplicidade (110).
 
ANTIGO SOLDADO
 
·         A identidade anónima confirma a simbologia da sua personagem: reconstrói o percurso militar de Gomes Freire, lembrando o valor da luta pela liberdade, mas é também a representação do desprezo a que o regime vota os homens que se sacrificam nos seus exércitos (22).
 
·         Também ele personaliza o desalento, o pessimismo e a decepção do povo que vê adiada a possibilidade de mudança com a prisão do general (80).


publicado por Isabel Marques às 15:47
Segunda-feira, 02 de Março de 2009

Material de apoio 1

 

Felizmente há Luar! – a fábula histórica
 

Tempo dramático – 1817 (século XIX)
 
Tempo da escrita – 1961 (século XX)
 
·         Agitação social que levou à revolta liberal de 1820:
 
-          Conspirações internas
 
-          Revolta contra a presença da Corte no Brasil e contra a situação de «colónia» do país
 
-          Contestação à influência inglesa no governo e no exército
 
-          Movimentos de revolta, ligados às lojas maçónicas e aos estrangeirados
 
 
 
·         Regime absolutista e tirânico:
 
-          A estranha ligação entre o poder político (D. Miguel, Beresford) e a Igreja (Principal Sousa)
 
-          A perseguição a todos os que denunciam a hipocrisia, a violên-cia, a injustiça, o obscurantismo, a falta de escrúpulos do Poder, e apelam à justiça e à liberdade
 
-          A censura, a repressão severa dos conspiradores, os processos sumários, a pena de morte
 
-          As redes de denunciantes, trai-dores e conspiradores que com-pactuam com o Poder
 
 
·         Os conflitos sociais:
 
-          Classes dominantes motivadas por interesses mesquinhos e pelo medo de perder privilégios
 
-          Povo oprimido e resignado à miséria, ao medo, à ignorância
 
·         A execução do general Gomes Freire
 
 
·         Agitação social dos anos 60, que levou à Revolução de 25 de Abril:
 
-          Conspirações internas, «golpes palacianos»
 
-          Revolta contra a guerra colonial, que teve início em Angola (1961)
 
-          Movimentos de contestação polí-tica e social (greves, revolta estudantil)
 
-          Protestos dos militantes comunis-tas e antifascistas, exigindo elei-ções livres e democráticas
 
 
·         Regime ditatorial de Salazar:
 
-          A amizade entre Oliveira Salazar e o Cardeal Cerejeira, e a defesa intransigente dos valores da Pátria, Família e Fé 
 
-          A Censura, a perseguição política aos contestatários do Poder (Pide), a falta de liberdade de opinião e de expressão, o exílio
 
-          A parcialidade da Justiça (prisão, medidas de repressão, tortura, condenações sem provas)
 
-          As redes de conspiradores e denunciantes («bufos») que actu-am na sombra
 
·         Conflitos sociais:
 
-          Classes privilegiadas e explora-doras, com reforço do seu poder
 
-          Povo reprimido e explorado, condenado à miséria, ao medo, ao analfabetismo
 
·         O assassinato do general Humberto Delgado, por elementos da Pide
 

 
 
 

Felizmente há Luar! – Luís de Sttau Monteiro

 
Simbologia do título
 
A frase «felizmente há luar» é proferida por duas personagens de mundos diferentes:
-          D. Miguel, símbolo do Poder (Acto II, 131)
-          Matilde, símbolo da resistência à tirania (Acto II, 140)
 
Luar
 
-          Para D. Miguel, o luar permitirá que o clarão da fogueira atemorize todos os que querem lutar pela liberdade, confirmando assim o efeito dissuasor e exemplar das execuções perante aqueles que ousassem desafiar a autoridade dos Governadores (a noite é mais assustadora, as chamas poderiam ser vistas em toda a cidade, o luar convidaria toda a gente a assistir ao castigo).
 
-          Para Matilde, o luar sublinhará a intensidade do fogo, que simboliza a coragem e a força de um homem que morreu pela liberdade e, por isso, se torna símbolo do esclarecimento e da revolta contra a tirania (anúncio da revolução liberal / 25 de Abril?). 
 
-          A lua, porque privada de luz própria e sujeita a fases, representa a periodicidade e a renovação, a transformação. Ela é também o símbolo da passagem da morte para a vida (durante três noites em cada ciclo lunar desaparece, para voltar a surgir).
 
Fogo
 
-          A fogueira acaba por ter um carácter redentor, simbolizando a purificação, a morte da «velha ordem», a vida e o conhecimento. O fogo traduz a chama que se mantém viva e a fé na liberdade que há-se chegar («Julguei que isto era o fim e afinal é o princípio. Aquela fogueira, António, há-de incendiar esta terra!», 140).
 
-          Na perspectiva dos Governadores, o fogo traduz a destruição, o castigo de todas as tentativas de rebelião do povo em prol da liberdade.
 
Luz / noite
 
-          A luz traduz a caminhada da sociedade em direcção à liberdade, vencendo o medo e a insegurança da noite, recusando a violência e a repressão.
 
-          A noite (escuridão, trevas), por contraste, representaria a morte, a repressão, a violência, o castigo, o obscurantismo, a conspiração.
 
 
O carácter apoteótico e trágico
 
 
A dimensão trágica
 
A obra de Sttau Monteiro, pela reflexão que faz do destino do homem, enquanto membro de uma sociedade, sujeito às suas normas e valores, lembra a tragédia clássica, nomeadamente pelos elementos seguintes:
 
-          O carácter excepcional das personagens:
§ Gomes Freire, pela coragem, determinação e defesa intransigente dos ideais de justiça e liberdade
§ Matilde, pela nobreza moral, pela grandeza dos seus sentimentos e pela progressiva consciencialização do seu dever de verdadeira patriota
 
-          A simplicidade da acção e o despojamento cénico
 
-          O desenlace trágico: o martírio e morte de Gomes de Freire
 
 
 
A dimensão apoteótica
 
-          O clima apoteótico da obra é recriado através da fogueira onde Gomes de Freire é martirizado que, em vez de ser dissuasora, torna-se inspiração para que outros lutem pela liberdade:
Matilde: Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim... (140)
 
-          Assim, o sacrifício do general é também uma homenagem à sua heróica defesa da liberdade, um símbolo de esperança para o povo oprimido e um apelo à transformação da sociedade (o ambiente mágico e espectral que a execução recria garante uma interpretação simbólica da noite, a traduzir a opressão, a violência, o obscurantismo, e da luz, como representação do esclarecimento, da liberdade de expressão e opinião).
 
Matilde: Julguei que isto era o fim e afinal é o princípio. Aquela fogueira, António, há-de incendiar esta terra! (140)
 
-          No final, o espectador percebe que os acontecimentos a que assistiu são de todos os tempos, pois é o próprio homem que está em causa e a obra torna-se, assim, épica.
 
 
 
O teatro épico (inspiração de Bertolt Brecht)
 
 
A obra de Sttau Monteiro, à semelhança do que acontece com a de outros escritores, como Bernardo Santareno (O Judeu) e José Cardoso Pires (O render dos heróis), aparece nitidamente influenciada por linhas dramáticas inovadoras, não só pelo suporte histórico da intriga, mas também pela relação que pretende estabelecer com o espectador, que deve assumir um papel testemunhal e crítico face aos acontecimentos apresentados em palco para mais lucidamente intervir e transformar a sociedade em que está inserido.
 
 
A fábula histórica
 
 
-          Sttau Monteiro recupera acontecimentos que marcam o início do século XIX, para servirem de denúncia da situação social e política do país dos anos 60, em plena ditadura salazarista. Assim, as primeiras manifestações sociais e políticas, que levaram à revolução liberal de 1820, servem também como denúncia da miséria, da opressão e da injustiça que dominam o Portugal da década de sessenta. O martírio de Gomes Freire é também o do general Humberto Delgado, silenciado pelo regime, porque símbolo do protesto e do inconformismo face à ditadura. Ao evocar situações e personagens do passado, o autor tem um pretexto para falar do presente.
 
-          A revolta dos mais esclarecidos, muitas vezes organizados em sociedades secretas (lojas maçónicas), contra o poder absolutista e tirânico dos Governadores, que culminará na morte de Gomes Freire, herói que reclama o direito do povo à dignidade e à indignação contra os poderosos, é também o apelo à revolta dos militantes antifascistas que puseram em causa o Estado Novo.
 
-          A obra exprime assim a revolta contra o Poder e a convicção de que é necessário mostrar o mundo e o homem em constante devir. Defende as capacidades do homem que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive.
 
-          Esta forma de teatro também denuncia um dos dramas da criação literária durante o Estado Novo: a censura.
 
 
Análise crítica da sociedade
 
 
-          Ao mostrar a realidade, em vez de a representar, o drama épico leva o espectador a reagir criticamente e a tomar posição. Este, enquanto elemento de uma sociedade, assume a sua posição testemunhal, interpretando, reflectindo e julgando os acontecimentos apresentados.
 
-          O espectador pode assim analisar e julgar o homem no seu devir histórico, na sua situação social, podendo modificar-se e modificar o curso da história.
 
 
A técnica da distanciação
 
 
-          À semelhança de Brecht, Sttau Monteiro propõe um afastamento do espectador perante a história narrada, para que, de forma mais autêntica, possa emitir juízos críticos sobre a realidade apresentada em palco. Ao contrário do teatro clássico, o drama épico não procura criar um efeito hipnótico sobre o espectador, inspirando-lhe emoções e sentimentos, como o terror e a piedade (catarse), mas antes torná-lo uma voz activa no julgamento da própria sociedade em que se insere.
 
-          A identificação com o herói desperta emoções, transporta o espectador para o universo fictício do palco, mas prejudica a visão crítica do público, tornando-o incapaz de uma análise objectiva da acção. A exposição em palco de formas erradas ou alienadas de vida levarão o espectador a descobrir a sua situação no mundo e a encontrar formas de combater as injustiças sociais.
 
 
A função pedagógica
 
 
-          O teatro assume, assim, uma finalidade pedagógica, já que move o espectador a intervir lúcida e criticamente sobre a realidade social em que vive, incita-o a actuar e alerta-o para a condição humana, de modo a que se aperceba de todas as formas de injustiça e opressão.
 
 
A intemporalidade da obra
 
 
-          Fazendo a ligação entre dois momentos históricos (séculos XIX e XX), a intemporalidade da obra remete para a luta de sempre do ser humano contra a tirania, a opressão, a traição, a injustiça e todas as formas de perseguição. Felizmente há luar! põe em destaque a preocupação do homem com o seu destino, em luta contra a miséria e a alienação, denunciando a ausência de moral e de liberdade... O homem é, assim, colocado perante o desafio de se conhecer e de conhecer o mundo em que se insere («Todos sonhos chamados, pelo menos uma vez, a desempenhar um papel que nos supera. É nesse momento que justificamos o resto da vida, perdida no desempenho de pequenos papéis indignos do que somos.» 89)
 
 
Estratégias para a criação de um teatro épico
 
 
-          O efeito de distanciação entre a realidade apresentada em palco e o espectador, para garantir a capacidade de observação crítica deste, é conseguido através de vários recursos cénicos, como as didascálias, as personagens e o cenário.
 
-          As didascálias apresentam uma orientação precisa de leitura, claramente subjectiva, sugerindo ao espectador/leitor a construção de sentidos que ultrapassam o gozo estético e literário da obra. O dramaturgo convida o espectador/leitor a assumir uma atitude empenhadamente crítica e distanciada face aos acontecimentos que lhe são apresentados:
 
 
§ O público tem de entender, logo de entrada, que tudo o que se vai passar em palco tem um significado preciso. Mais: que os gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos duma linguagem a que tem de adaptar-se. (15)
 
§ Pretende-se criar desde já, no público, a consciência de que ninguém, no decorrer da peça, vai esboçar um gesto para o cativar ou para acamaradar com ele. (O réu não se senta aio lado dos juízes.) (16)
 
 
-          As personagens desdobram-se em várias «personalidades» ou assumem várias «máscaras», o que impede a integridade, a consistência ou coerência dos seus gestos e valores, mas também a própria identificação do espectador com essas personagens ou figuras fictícias. Veja-se, por exemplo, a simulação de Vicente, que recusa a sua origem humilde e revela as suas mesquinhas ambições (27), e a de Manuel, que representa simultaneamente o papel de mendigo e de fidalgo petulante (78-79).
 
-          próprio cenário, despojado e pobre em recursos cénicos evita que o espectador se deixe envolver com os dramas apresentados e interprete toda a organização cénica como simbólica: as cadeiras (opulência e autoridade dos governantes) contrastam com as ruas (miséria e opressão do povo, sempre vigiado pela polícia).


publicado por Isabel Marques às 15:43
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