SÍMBOLOS
Luar
- Para D. Miguel, o luar permitirá que o clarão da fogueira atemorize todos os que querem lutar pela liberdade, confirmando assim o efeito dissuasor e exemplar das execuções perante aqueles que ousassem desafiar a autoridade dos Governadores (a noite é mais assustadora, as chamas poderiam ser vistas em toda a cidade, o luar convidaria toda a gente a assistir ao castigo).
- Para Matilde, o luar sublinhará a intensidade do fogo, que simboliza a coragem e a força de um homem que morreu pela liberdade e, por isso, se torna símbolo do esclarecimento e da revolta contra a tirania (anúncio da revolução liberal / 25 de Abril?).
- A lua, porque privada de luz própria e sujeita a fases, representa a periodicidade e a renovação, a transformação. Ela é também o símbolo da passagem da morte para a vida (durante três noites em cada ciclo lunar desaparece, para voltar a surgir).
Fogo
- A fogueira acaba por ter um carácter redentor, simbolizando a purificação, a morte da «velha ordem», a vida e o conhecimento. O fogo traduz a chama que se mantém viva e a fé na liberdade que há-se chegar («Julguei que isto era o fim e afinal é o princípio. Aquela fogueira, António, há-de incendiar esta terra!», 140).
- Na perspectiva dos Governadores, o fogo traduz a destruição, o castigo de todas as tentativas de rebelião do povo em prol da liberdade.
Luz / noite
- A luz traduz a caminhada da sociedade em direcção à liberdade, vencendo o medo e a insegurança da noite, recusando a violência e a repressão.
- A luz é a metáfora do conhecimento que permite o progresso da sociedade e a construção do futuro, assente na defesa dos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
- A noite (escuridão, trevas) representa a morte, a repressão, a violência, o castigo, o obscurantismo, a conspiração.
- A noite simboliza ainda o poder maldito e as injustiças dos governadores («Como é que se pode lutar contra a noite?» 116).
Saia verde
- Símbolo de esperança na renovação, da superação da violência e da repressão, da defesa da liberdade (fora comprada em Paris, foco dos ideais revolucionários liberais).
- Traduz o amor verdadeiro e redentor, capaz de conduzir a personagem a superar o seu estado de revolta e a comunicar aos outros, apáticos e indiferentes, o futuro, a esperança.
- Sugere a tranquilidade e a felicidade do reencontro, embora numa outra dimensão, ou num futuro diferente.
- Pela cor, simboliza ainda a fertilidade, a vida e a renovação da Natureza, que conduzem à noção de imortalidade (a mensagem de liberdade do general poderá, afinal, tornar-se válida nos séculos vindouros).
Moeda
- Simboliza a miséria, a pobreza de um povo que mendiga pela sobrevivência, pela dignidade, pelo direito à vida e à liberdade.
- Traduz a traição, a corrupção, a submissão dos poderosos a interesses mesquinhos e materiais (Matilde, quando a atira ao Principal Sousa, lembra a bíblica traição de Judas).
Tambores
- Símbolos da repressão militar e policial que desagrega e aniquila, traduzem a morte, a violência e a intimidante perseguição a que o povo era sujeito para não pôr em causa a autoridade tirânica dos governadores, «sempre presente e sempre pronta a intervir».
- Traduzem também a hipocrisia e a corrupção de todos os que traem para obter favores do regime, como Vicente, «um provocador em vias de promoção» (21).
Sinos
- Traduzem o perverso envolvimento da Igreja nos assuntos do Estado, contribuindo para a repressão imposta sobre o povo (anunciam a morte de Gomes Freire).
- Contribuem para a denúncia da deturpação da mensagem evangélica ao serviço de interesses mesquinhos e materiais.
Cadeiras
- Descritas como «pesadas e ricas com aparência de tronos», simbolizam a opulência, o poder tirânico e absolutista dos governadores e a violência e caducidade do sistema monárquico.
Outros textos
- A referência feita pelo Principal Sousa ao Eclesiastes foi intencionalmente deturpada para justificar a validade do poder real como resultado da vontade divina, anulando assim a vontade popular nas decisões do Estado (36).
- A deturpação intencional do texto bíblico põe em destaque o poder manipulatório de Igreja, distante da pureza original.
- Há referências à parábola dos trinta dinheiros, numa alusão à traição de Judas, equiparado a Vicente e a todos os delatores, e ainda à que remete para o servo que tenciona servir a dois senhores, numa clara denúncia da hipocrisia da Igreja e, por extensão, do Principal Sousa.
LINGUAGEM
Oralidade / ironia crítica
- A linguagem da obra é natural, viva, próxima do discurso oral (interrogações, exclamações, vocabulário familiar e popular, orações coordenadas, construção sintáctica simples, redundâncias e pleonasmos...) e tradutora das emoções das personagens (hesitação, interrupção...), mas surge também dominada pela ironia e pelo sarcasmo.
Conflito poder / antipoder
- A linguagem traduz assim o conflito entre o poder e o antipoder:
· A linguagem dos representantes do poder evidencia um sentido prático, utilitário e material da vida. As falas são mais longas, excessivamente discursivas.
· A voz do contrapoder (Matilde, povo) ganha frequentemente um sentido poético, expondo a afectividade e os dramas interiores das personagens. A ironia, porém, funciona como denúncia crítica da hipocrisia e da violência dos que representam o poder.
· O discurso do autor/encenador é essencialmente valorativo, uma vez que convida o espectador a assumir uma atitude crítica em relação aos factos apresentados.
Nível lexical
- O léxico remetendo para o domínio político: reino, nobreza, povo, pátria, patriotas, política, conspirações, revolta.
- O léxico de carácter religioso: rebanho, ovelhas, salvador, Senhor, Cristo, Deus, Dia do Juízo, almas, condenação, divina.
ESTILO
- A confirmar a intencionalidade crítica da obra, é de salientar a importância do discurso das personagens, que assume variadas funcionalidades:
· O estilo «salazarista» utilizado por D. Miguel, cuja tónica essencial é a defesa da Pátria e dos ideais patrióticos. O tom didáctico empregue pela personagem confirma a demagogia política das suas intervenções (49,59).
· A retórica jesuítica usada pelo Principal Sousa deixa escapar o abuso da Igreja, ao reivindicar como vontade divina aquilo que não passava de interesses de ordem política (37, 40, 59).
· A ironia que marca o discurso mordaz de Beresford deixa perceber a diferença cultural entre Portugal e Inglaterra (56, 57).
· O discurso dos populares é desolador e resignado, embora seja também irónico e acusador (16, 78, 106).
· O tom de lamento usado por Matilde, perante a perda do seu «homem» e do seu amor (90), dá lugar à contestação, à acusação mordaz (128-129) e à profecia de um futuro regenerador (140).
· O uso do latim, que ocorre no momento da sentença e da execução, funciona como denúncia de uma sociedade arcaica e regida por valores caducos e estritamente vinculados a uma hierarquia social (98, 134).